O gradualismo eleitoral divide o MPLA, no poder desde 1975, e o principal partido da oposição que o regime (ainda) permite que vá dando, sob estrito controlo, alguns palpites, a UNITA, que defende que as eleições decorram ao mesmo tempo em todos os municípios.
A Assembleia Nacional do MPLA começa nesta quinta-feira a discutir o pacote legislativo com vista à realização das primeiras eleições autárquicas em Angola, previstas para quando o MPLA assim quiser e que, para já, aponta de forma não vinculativa para 2020. Está por definir se a votação decorrerá simultaneamente ou não em todos os municípios.
Os deputados vão debater e votar, na generalidade, nove propostas de lei sobre as autarquias, duas delas iniciativa da UNITA, as leis da Tutela Administrativa sobre as Autarquias Locais e das Finanças Locais.
Do pacote legislativa constam também a orgânica sobre as Eleições Autárquicas, Transferências de Atribuições e Competências do Estado para as Autarquias Locais e sobre a Organização e Funcionamento das Autarquias Locais, são iniciativas do executivo e a Lei sobre o Regime Financeiro das Autarquias Locais, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, da Tutela Administrativa sobre as Autarquias Locais e sobre a Institucionalização das Autarquias Locais.
O gradualismo eleitoral é uma questão que divide MPLA e a UNITA. O Executivo defende a realização da votação, numa primeira fase, em apenas alguns municípios, que ainda não explicitou. A UNITA defende a realização simultânea das autárquicas em todos os 164 municípios do país.
Isso mesmo foi reafirmado a 28 de Março pelo líder parlamentar da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, que considerou a divergência como a “maior separação” que o partido tem face ao Governo, que defende a realização gradual das eleições, com uma primeira fase em 2020, a segunda em 2025 e a terceira em 2030.
O MPLA, pela voz do seu líder parlamentar, Américo Kuononoka, disse que o partido tem em conta o cumprimento da Constituição (que para o caso dá jeito referir), que prevê o gradualismo nas autárquicas, argumentando que o facto de Angola ter passado por longos anos de guerra atrasou o desenvolvimento e a presença do Estado em muitas regiões angolanas.
Para Américo Kuononoka, o “mais sensato é fazer uma experiência piloto”. Lembrou que as autarquias devem estar capazes para ter uma gestão, arrecadação de recursos de sobrevivência e recursos humanos, o que não se verifica ainda.
Comer e calar, falar e passar fome
“O partido Estado continua a distrair as pessoas com conceitos, visões e terminologias que subvertem a democracia”, afirmou no dia 16 de Julho de 2018 Isaías Samakuva quando discursava na abertura de um seminário sobre autarquias locais, que contou com convidados de Moçambique e Cabo Verde.
“Ora dizem-nos não haver condições para realizar eleições autárquicas nos mesmos municípios onde já se realizam eleições gerais. Ora dizem-nos não haver infra-estruturas nos mesmos municípios onde já funcionam administrações municipais com gestores públicos que não representam as populações nem prosseguem os interesses públicos locais. Ora dizem-nos não haver recursos nos mesmos municípios onde produz riqueza nacional”, criticou Isaías Samakuva.
Para o líder da UNITA, “o tempo dos bairros sem saneamento básico, que se tornaram viveiros da malária e da cólera, acabou”, bem como o da falta de escolas “só porque os governantes desviam o dinheiro da educação”.
“O tempo das casas sem água potável canalizada e sem energia para iluminação acabou. O tempo dos administradores de um só partido, não eleitos pelo povo, acabou. O tempo dos roubos institucionalizados e do lixo a céu aberto, à vista de todos, sem pudor nem controlo, acabou”, afirmou (com uma grande dose de ingenuidade política) Isaías Samakuva.
Na sua intervenção, Isaías Samakuva disse que é “prioridade número um” do seu partido “assegurar a institucionalização efectiva das autarquias obrigatórias, as autarquias municipais, em todo o país, em 2020, como anunciou o Presidente da República e combater a subversão do gradualismo que tem sido pregado dentro e fora do país”.
“Os angolanos todos, de Cabinda ao Cunene, devem ser informados e mobilizados para rejeitar as autarquias do MPLA (o único partido que governou o país desde a independência) e o seu gradualismo distorcido. Queremos as autarquias do povo, sem gradualismo distorcido”, disse.
O que quer (e assim será) o MPLA
Os presidentes de Câmara e restantes órgãos autárquicos em Angola vão ser eleitos para mandatos de cinco anos, mas só nas quartas eleições, previsivelmente em 2035, é que o processo deverá estar concluído em todo o país. Gradualismo, diz o MPLA.
De acordo com a proposta de Lei de Organização e Funcionamento das Autarquias Locais, o período do mandato dos órgãos eleitos das autarquias locais, entre presidente da Câmara e eleitos à Assembleia Municipal, é de cinco anos.
A mesma proposta refere que o presidente da Câmara Municipal, bem como os secretários da câmara, os secretários comunais e de distrito urbano, designados pelo líder eleito do município, “exercem as suas funções em regime de exclusividade”, contrariamente aos eleitos à Assembleia Municipal, que ficam em regime de voluntariado, com direito a senhas de presença por reunião.
À Câmara Municipal cabe o poder executivo, enquanto a fiscalização é assegurada pelo plenário da Assembleia Municipal.
Actualmente, o poder local em Angola é garantido por administradores municipais designados pelos 18 governadores provinciais, por sua vez nomeados e exonerados pelo Presidente da República. Democracia “made in MPLA” em toda a sua plenitude.
A legislação proposta pelo MPLA refere que “após a institucionalização de cada autarquia local”, com a eleição dos respectivos órgãos, “observa-se um período de transição de três meses” entre a Administração Municipal, central, e a nova administração autárquica.
“Durante o período de transição a Administração Municipal procede à passagem das pastas e do património e presta toda a colaboração necessária com vista um melhor enquadramento por parte da administração autárquica”, lê-se ainda.
De acordo com a proposta de Lei Sobre a Institucionalização das Autarquias Locais, está prevista uma “experiência inicial”, com a criação de autarquias, entre os actuais mais de 170 municípios do país, com base em alguns critérios.
“O processo de implementação das autarquias locais passa pelo reforço da desconcentração administrativa, acção que o Executivo se propõe começar a realizar ainda no decurso do presente ano de 2018. A desconcentração começa pela transferência de competências e recursos humanos e financeiros para os municípios, pela aprovação dos planos de desenvolvimento municipal”, disse em Fevereiro do ano passado o Presidente João Lourenço.
No modelo proposto pelo Governo (o único com “força” de lei) e contestado pelos partidos da oposição, que reclamam eleições em simultâneo em todo o país, serão escolhidos para integrarem as primeiras eleições “alguns municípios” que “apresentem níveis de desenvolvimento sócio-económico e de infra-estruturas expressivos no quadro da respectiva província”.
Serão também escolhidos alguns municípios rurais, com pelo menos 500.000 habitantes, desenvolvimento sócio-económico e um historial de capacidade de arrecadação de receita de pelo menos 15% face à média da despesa pública orçamental nos últimos três anos.
E ainda alguns municípios com menos de 50.000 habitantes, que apresentem segmentos de economia local específicos, e estruturados, além de, igualmente, um historial de arrecadação de receita de pelo menos 5% face à média da despesa pública orçamental nos últimos três anos.
Serão igualmente escolhidos “alguns municípios com fraca capacidade de arrecadação de receita”, que possuam um mínimo de 250.000 habitantes, outros “com grande expressão e particularidades culturais, tendencialmente do interior do país” e outros que apresentem “dinâmicas de desenvolvimento local assentes na agricultura e pecuária”.
A mesma proposta de lei diz que “compete à Assembleia Nacional proceder à aprovação da lista dos municípios nos quais devem ser institucionalizadas as autarquias locais para a experiência inicial”.
“O processo de implementação das autarquias locais em todos os municípios do país deve ser concluído num período não superior a 15 anos, após a realização das primeiras eleições autárquicas”, refere a proposta.
O que tem dito a UNITA
“D efendemos que todas as autarquias obrigatórias, as autarquias municipais, devem ser criadas ao mesmo tempo, junto com as autarquias supra municipais, que poderão assumir a forma de Regiões administrativas. Luanda e Cabinda são sérios candidatos para este novo Estatuto de autonomia local, nos marcos da Constituição. Os primeiros órgãos destes dois tipos de autarquia deverão ser eleitos em 2020. O desempenho das autarquias municipais e das suas relações institucionais é que ditarão a oportunidade para a criação das autarquias inframunicipais”, afirma o Presidente da UNITA.
Isaías Samakuva refere ainda que: “Defendemos o universalismo geográfico e o gradualismo funcional: As autarquias introduzem-se simultaneamente em todo o país, o que significa fazer eleições locais em que todos os angolanos possam votar, tanto os filhos dos indígenas como os filhos dos portugueses e de outros ascendentes dos angolanos. Ninguém deve ser excluído do exercício do direito fundamental de sufrágio, consagrado pelo artigo 54.º da Constituição”.
De acordo com o líder da UNITA, “certas competências, como por exemplo o embelezamento de espaços públicos, recolha de resíduos sólidos, bibliotecas, construção de escolas primárias, podem certamente ser transferidas imediatamente para todos os Executivos Autárquicos”.
“Outras competências, tipicamente de responsabilidade local – como a canalização de água, pavimentação de vias principais, iluminação pública, policiamento local – estão possivelmente fora do alcance de muitas autarquias rurais, mas dentro da capacidade de gestão dos governos locais das cidades maiores”, esclarece.
Isaías Samakuva exprime também a convicção de que as autarquias locais em Angola são autoridades autónomas que promovem o desenvolvimento económico e social das famílias e atraem o investimento para garantir o crescimento económico a nível local e regional.
Além de emprego a gerar com a implantação das autarquias, um número muito significativo de serviços públicos será prestado às comunidades, significando que que consideráveis investimentos públicos em equipamentos colectivos, sistemas de abastecimento público e redes de logística, transportes, água, luz e comunicações reforçarão a importância socioeconómica da administração autárquica.
“Defendemos que a nova administração autárquica tenha sob sua jurisdição dezenas de serviços municipalizados de interesse local que tenham por objecto explorar, sob forma industrial, algumas das actividades seguintes: captação, condução, e distribuição de água potável; produção, transporte e distribuição de gás de iluminação; aproveitamento, depuração e transformação de esgotos, lixos e detritos; construção e funcionamento de mercados, frigoríficos, balneários, estabelecimentos de águas mineromedicinais, lavadouros públicos, transporte, distribuição e venda de carnes verdes e transportes colectivos de pessoas e mercadorias”, diz Samakuva.
Estes serviços, segundo o Presidente da UNITA, “são criados pela Assembleia Municipal e poderão ser geridos por um Conselho de Administração. São verdadeiras empresas públicas municipais que, não tendo personalidade jurídica, estão integrados na pessoa colectiva autárquica”.
A UNITA considera ainda que as autarquias devem ter “um quadro de pessoal técnico e administrativo permanente à sua disposição, que, em alguns casos, por economia ou escassez de recursos, pode estar vinculado a outras autarquias ou ao poder central. É importante manter uma capacidade técnica que sustente a autarquia e os seus serviços, enquanto a direcção geral é dos políticos”.
Entretanto, a UNITA defende também que “tudo deve ser feito para se evitar a politização ou partidarização das autarquias. Elas são instituições territoriais públicas, prestadoras de serviços para todos os residentes, e não “pertencem”, de nenhuma forma, ao partido que estiver a governar. Pelo contrário, a autarquia é permanente, enquanto o seu Presidente e a sua Assembleia exercem mandatos temporários por escolha dos cidadãos”.
Folha 8 com Lusa
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